Morreu na madrugada desta terça-feira, 19 de julho
2011, aos 57 anos, a professora Marildes Marinho, do Departamento de Métodos e
Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG.
Vítima de acidente de carro, Marildes Marinho
estava na Bahia, a trabalho, em uma aldeia Pataxó, onde concluíra, no domingo,
módulo do curso de formação intercultural de educadores indígenas, que ela
coordenava. Ontem era o seu primeiro dia de férias, segundo a diretora da FaE,
Samira Zaidan.
Marildes Marinho era doutora em Linguística pela
Universidade Estadual de Campinas, com estágio de doutorado no Institut
National de Recherches Pedagogiques (Paris). Pós-doutora pela École des Hautes
en Sciences Sociales (Paris), foi pesquisadora visitante no Centre for
Language, Discours and Communication, do King's College (Londres). Graduada em
Letras e mestre em Educação pela UFMG, era professora da FaE há 19 anos.
Não há ventos favoráveis para aqueles que não sabem onde querem chegar.
A Língua
Portuguesa nos Currículos de Final de Século
Marildes
Marinho
Para analisar esse artigo tive necessidade de saber
por que ele foi escrito. Com essa resposta em mãos o texto fez sentido.
A autora fez parte de um grupo de estudos que
analisou currículos de 19 estados brasileiros para que o Ministério da Educação
tivesse “subsídios para a elaboração de parâmetros para o ensino da língua
materna no Brasil”.
O artigo de Marildes Marinho faz parte do livro
"Os Currículos do Ensino Fundamental Para as Escolas Brasileira" de
Elba Siqueira de Sá Barreto (org.) que teve sua 1ª edição em 1998, ano em que,
segundo consta, o PCN foi implantado, depois de uma versão preliminar em 1995.
Hoje, data da minha análise do artigo, faz 15 anos
que o PCN surgiu de maneira definitiva. Não seria o caso de nova pesquisa?
Estariam os estados analisados oferecendo ainda currículos tão desalinhados ou tão contraditórios entre “um conhecimento
ultrapassado... ou um novo conhecimento...”?.
Toda a minha introdução do trabalho se deu diante
da inquietação sobre as ocorrências reveladas e a necessidade de situar no
tempo esse artigo.
Em tempos de escassa competência (no Brasil) nessa
área, é lamentável a morte tão precoce de uma doutora em linguística, atuante e
participativa como ela era.
Falando de parte do título – “final do século” - que
deu ao artigo, fala sem querer sobre sua partida quando diz: "Poderosa
porque produz a ilusão de um longo tempo, de uma longa vida e, quem sabe, de
grandes feitos. Frágil, exatamente por nos sugerir a responsabilidade de
realizações não alcançadas." Muito interessante.
O currículo sob uma perspectiva externa (contexto político/social)
e interna (estudos/pesquisas).
Mesmo com a constituição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais pelo governo federal, não descontinua a autonomia
relativa de estados e municípios em relação a esse domínio, e o turnover de gestores em secretarias de
educação gera uma contínua interrupção dos avanços alcançados por essas
secretárias. Visto sob esses ângulos, há quase uma imbricação entre as
perspectivas elencados pela autora, ainda hoje.
Com relação a “longa história da disciplina” quero
me deter nas décadas de 80 e 90. A renovação curricular iniciada na década de
80 teve como principal mote a oposição ao preceito militar até então vigente.
Segundo Elba Barreto “tratava-se de recuperar a importância do saber veiculado
pela escola como instrumento de exercício da cidadania plena e como elemento
capaz de contribuir para a transformação das relações sociais vigentes.”
Dentro da desvalorização do magistério pontuada por
Marildes e denunciada no final do século passado, o livro didático ascende e assume
segundo a autora “ o papel de produtor das atividades para a pratica docente...”
, hoje os
investimentos realizados pelas políticas públicas brasileiras nos últimos anos
transformaram o Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) no maior programa de
livro didático do mundo.
As condições sócio históricas das
questões: “quem, para quem, para quê e como foram escritos” podem assumir
funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que o
livro didático é produzido e utilizado, nas diferentes situações escolares. Por
ser um objeto de "múltiplas facetas", o livro didático é pesquisado
enquanto produto cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro
da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de
ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo de
valores, ideológicos ou culturais.
Dentro dos conteúdos da disciplina de
Português, segundo a autora há uma disputa entre língua oral e língua escrita.
Ainda conforme a autora, atualmente o peso da produção escrita e literária
pesou a balança para o lado da língua escrita, fazendo com que a gramática
mantenha seu lugar de destaque.
Embora a linguística seja uma
ciência com mais de cento e cinquenta anos de idade, ela é ainda pouco
conhecida, não só pelo público leigo, mas também por boa parte do meio
acadêmico. Muitos confundem a linguística com a gramática, por acharem que
ambas tratam do mesmo objeto: a língua. Outros adeptos da gramática
tradicional, muito mais antiga que a linguística, veem nesta última uma ameaça
à “pureza da língua”, por ser, segundo eles, uma disciplina por demais
permissiva e tolerante com os “erros gramaticais dos falantes incultos”.
A língua ao contrário da gramática,
que segundo( FRANCHI, TRAVAGLIA,2002)
“(...) é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever,
estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrada pelos
bons escritores” não deve ser vista como um conjunto de regras, que se utiliza
para uma boa fala e escrita. Jamais os educadores podem exigir que o aprendiz
fale somente, segundo as exigências da gramática tradicionalista. Para se
comunicar de um modo claro, um falante não precisa memorizar regras de
linguagem. A gramática da língua é dinâmica esta sempre viva. Ser um bom aluno
nas aulas de língua portuguesa que predominantemente são baseadas no ensino de
gramática e que, no entanto deveriam ser baseadas na leitura, produção de
texto, interpretação de textos e comentários não garante um bom domínio da
língua. A boa comunicação de um falante depende da gramática natural interior
que é implícita, pode ser considerada um conjunto de regras que os falantes
internalizam com o tempo através do que escutam e falam, nenhuma frase é
construída sem essa gramática. Já a gramática explicita é transmitida pela
escola e pelos livros de gramática. Segundo Chomsky e seus discípulos a
gramática é: “Sistema finito de regras que gera frases infinitas - nada mais e
nada menos que todas as frases bem formadas da língua-, prova as respectivas
descrições estruturais, bem como as relações entre som (representação fonética)
e significado (interpretação semântica)”.( apud
LUFT,s/a,34 ).
A proposta do Parâmetro Curricular
Nacional de Língua Portuguesa para as primeiras séries do ensino fundamental
discute a aprendizagem da Língua Portuguesa como ensino voltado para a troca
interpessoal “É possível aprender, tanto sobre a linguagem verbal quanto sobre
as práticas sociais nas quais ela se realiza, por meio da troca interpessoal”.
Numa perspectiva de
ensino/aprendizagem crítica do ensino da língua, apresenta a leitura e a
produção de texto como base para a formação do aluno cidadão. Esse aluno é
incentivado a ser um sujeito critico conhecedor dos seus direitos e preparado
para “falas adequadas ao contexto de uso”.
O
PCN bate insistentemente na tecla da formação do cidadão que “progressivamente,
durante os oito anos do ensino fundamental ... se torne capaz de interpretar
diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como
cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações.”
O PCN
parte de uma tríade para o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa na
escola “...
o aluno, a língua e o ensino.”
Dentro
desse contexto, em relação ao aluno é correta a afirmativa “Se o objetivo é que o aluno aprenda a
produzir e a interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de
ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que,
descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva.”
Quanto a
língua “A importância e o valor dos usos da
linguagem são determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada
momento”. O homem é um ser histórico e o PCN dentro do mote
cidadania preconiza que “Toda educação verdadeiramente
comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o
desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça
necessidades pessoais.”
A
articulação das três variáveis termina com o ensino, nossa tarefa. Sem o aluno,
“objeto da ação”, ou sem a língua, “objeto de conhecimento”, o ensino não se
faria necessário no contexto de “aprender e ensinar
língua portuguesa na escola.”
Cabe a
escola, representada pelo professor, acabar com a “mutilação
cultural” que tem efeito contrário ao preconizado pelo PCN quanto a
estimular a valorização do sujeito critico.